A história dos bistrôs em Paris e algumas recomendações

por Cozinha da Márcia

Estou em Paris por dois meses, na verdade o período já está acabando, e volto em breve para casa. Saudades dos cachorros, dos amigos, irmãs e sobrinhos de coração e da canja de um dos sobrinhos que agora na faculdade dorme uma vez por semana em casa. Filhos, todos adultos, não querem dormir na casa da mamãe, preferem passar, matar as saudades e seguir para seus programas. Fazem bem, mas pais e mães são meio carentes mesmo.

Assim é que assisti de fora a violência política no Brasil dos últimos meses. E, por coincidência, depois de muitos anos estudando sobre comida no Brasil colonial comecei a estudar alimentação no século XVIII começo do XIX, em parte porque a corte portuguesa veio para o Brasil, mas também por ter sido um século de grandes revoluções e ideais e muita violência. Os americanos se libertaram da Inglaterra, a Inconfidência Mineira quis fazer do Brasil um país sem os portugueses, e a França terminou com a monarquia absolutista na qual o rei decidia tudo com alguns ministros. Mataram todos, e os que vieram depois passaram a  governar com representantes da população no que hoje é a câmara de deputados e o senado,  após alguns percalços.

E, assim o fim do absolutismo na França foi o fim de um modo de se alimentar, existem muitos estudos sobre isso, e foi também, nesse momento, que apareceram os milhares de restaurantes de todos os tipos em Paris. O fim da aristocracia tradicional na guilhotina marcou o começo da vida dos grandes chefs como donos de restaurantes.  Funcionou mais ou menos assim, muitos daqueles profissionais que trabalhavam sob contrato nas cozinhas dos grandes príncipes ficaram desempregados e abriram restaurantes; embora já existissem outros restaurantes na cidade atendendo à pessoas abastadas, embora não relacionadas com a nobreza ­­– os frequentadores eram os comerciantes, industriais, banqueiros, advogados, a burguesia da época. A revolução também deu um basta a uma economia paralisada e endividada, com gastos desnecessários, com desabastecimento nas grandes cidades e principalmente à um governo centralizador sem o apoio da população, tanto pobres quanto os ricos, a nobreza era numericamente pequena.

A Revolução Francesa deixou também todo um setor que servia à nobreza sem trabalho, sobretudo aqueles que trabalhavam com roupas, vendiam tecidos, bordados, chapéus, ferreiros, artigos de couro, sapatos, malas, bolsas, selas para cavalos e tudo o que fosse necessário para as pessoas frequentarem a corte em Paris e no castelo de Versailles. Assim, surgiram os restaurantes que hoje tanto adoramos, pequenos bistrôs, com no máximo dez mesas, almoço e jantar com menu com a preços razoáveis. Os seus donos inicialmente não eram cozinheiros, apenas desempregados e empreendedores.

Os grandes cozinheiros em parte imigraram para a Inglaterra, em parte abriram restaurantes enormes para uma burguesia rica. Começaram a divulgar com adaptações o que se chamou de cozinha burguesa, que é a cozinha que chegou ao Brasil durante o século XIX. Um bom número de pessoas foi vender comida na rua ou em botecos, conhecidos como guinguettes, enorme sucesso entre o povo sem dinheiro, abriam aos domingos, nos subúrbios e vendiam vinho barato e levemente ácido – conhecido como guinguet, junto com comidinhas. Equivalem às nossas barracas nas praias, ou food trucks que vendem comida boa e barata, sem pretensões gourmet como nos mostra o pintor francês Pierre-Auguste Renoir no quadro Déjeuner des canotiers, em português O almoço dos remadores.

Aqui ao lado de casa temos o nosso bistrô, na verdade temos dois bistrôs que gostamos muito. O Café de Beaux Arts, fica no Quais Malaquais, de frente para o Museu do Louvre, mas do lado de cá do rio Sena, na sua margem esquerda. A comida é boa, é melhor quando se come dentro do restaurante quase no fim do horário do almoço, quando o dono do lugar senta-se à mesa de algum conhecido e deixa a conversa rolar. Serve pratos franceses, sem grande frescura, e tem bons vinhos. No almoço pode-se pedir a formule, isto entrada+prato principal ou prato principal+sobremesa.

A carne é boa, tem uma torrada tamanho gigante com queijo derretido servida com salada, tem galinha d’angola e todo o repertório dos bistrôs franceses com molhos e carnes cozidas. Na sobremesa, como nos nossos restaurantes PF pode-se escolher entre pudim de leite, tiramisú, torta de maçã, o eventual arroz doce. E a seleção dos vinhos em taça é um pouco maior daquela oferecida nos outros locais, em geral focada nas uvas mais populares – isto é, chardonnay. Bebi um vinho Sancerre bom, é uma região do Cher, no centro do vale do rio Loire, França. Na frente da rua também é simpático. Agora aqui na França o serviço não é rápido, tem seu ritmo e isso é bom.

Café des Beaux Arts – Quai Malaquais, 7. Paris 75006. Horário das 7h às 2h da manhã.

O segundo bistrot que recomendo é o Bistrot Ernest, é mínimo, cabem umas dezoito pessoas de cada vez, tem uma boa carta de vinhos, uma comida deliciosa e por ser tão pequeno logo deixa todo mundo conversando como velhos amigos. Por ali passa o pessoal das galerias do bairro para um café, tem gente almoçando, um eventual turista, vi poucos, avós com netos, e todos no final das contas tem uma história interessante para contar.

Aqui não servem a opção da combinação da formule. Pela manhã um pequeno quadro de avisos do lado de fora da porta lista os pratos do dia – entradas, pratos principais, queijos e sobremesas. Os pratos tem sempre opções vegetarianas. Cada item oferece quatro ou cinco pratos diferentes – aves e carnes. E pode-se pedir à la carte, mas nunca vi ninguém pedir. Para o tamanho do lugar oferecem um bom número de opções. O melhor é chegar cedo tanto para o almoço quanto para o jantar e se possível prolongar a conversar. E, se der sorte, conversar com alguém interessante sentado em outra mesa.

Bistrot Ernest ­– Rue de Seine, 21. Paris 75006. Aberto de terça à sábado das 10h às 22h.

Ilustração: pintura de Pierre-Auguste Renoir, Déjeuner des canotiers, de 1881, retrato um grupo de jovens que depois de remar parou para comer em uma guinguette, em um boteco. O quadro está na Phillips Collections, Washigton, EUA.

Você também pode gostar