Amsterdam: Comida, desperdício e o que podemos fazer

por Cozinha da Márcia

Vou começar contando a minha viagem para Amsterdam pelo segundo dia do Simpósio de História da Comida na Universidade de Amsterdam. A conversa tratou de uma discussão que também está acontecendo no Brasil: o que fazer com o desperdício de comida na cadeia alimentar quando tanta gente poderia consumir esses alimentos. E como introduzir mudanças em pessoas e organizações que acham que estão contribuindo para diminuir a fome ou a insegurança alimentar quando na verdade estão enfatizando a velha maneira de fazer caridade.

Todos os dias são jogados fora no mundo inteiro toneladas e toneladas de alimentos, tanto pelos agricultores que precisam atender a padrões estabelecidos pelas grandes cadeias de varejo, tais como são peso e formato uniforme para legumes e frutas, e o que sobra nem sempre é utilizado.

Por sua vez, as grandes cadeias de mercados também contribuem para o desperdício por que recebem os produtos com prazos de validade já próximo do vencimento. Isso acontece principalmente na Europa onde frutas e legumes podem vir de países da América do Sul e da África ou em volta do Mar Mediterrâneo como o Marrocos. Existe ainda em alguns casos o tempo extenso entre um produto chegar no depósito da loja e ir para a geladeira ou prateleira onde os consumidores poderão comprá-lo. Muitos já chegam direto para a lixeira. A isso somam-se ainda fatores econômicos, políticos e a comida vai toda para a lixeira mesmo.
De um modo geral, as empresas que trabalham com produtos alimentares tentam resolver esse problema – ninguém gosta de jogar comida fora, algumas doam suas sobras para asilos, orfanatos e também utilizam no próprio refeitório da empresa. Estamos falando de alimentos que serão jogados fora no dia do vencimento da data de validade.
Temos também a questão política como parte importante desse problema, e tivemos recentemente um exemplo ruim na cidade de São Paulo, um Prefeito equivocado que achou que estava em uma zona de guerra e não em uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, apesar dos contrastes econômicos e sociais, resolveu comprar com o dinheiro do contribuinte uma farinha preparada com alimentos vencidos, Farinata, com valores nutricionais. Colou uma imagem de N. Sra. De Aparecida numa embalagem de plástico que parecia improvisada para a entrevista de apresentação do produto. Como que para dizer que aquele negócio era uma benção de Deus. Foi constrangedor para a população e mostrou o despreparo de todos os envolvidos para entender a questão.

Para entender melhor a polêmica da Farinata, que o atual Prefeito João Dória pensou em acrescentá-la na alimentação escolar, clique aqui.
O Prefeito anterior, Fernando Haddad, preparou uma mapa geral da insegurança alimentar na cidade. Clique para ver.

A cidade por outro lado já conta com um uma série de iniciativas para prover alimentos frescos para as escolas próximas à hortas públicas, que são democraticamente de todos, uma iniciativa louvável promovida por pessoas que acreditam que podem colaborar para melhorar a qualidade da alimentação da vizinhança. Comida fresca é a que alimenta, além disso permite que funcionários, professores, vizinhos e as crianças entendam que comida nasce na terra e que deve ser compartilhada.
Em reação direta à atitude do Prefeito um grupo de chefes fez uma outra manifestação, desta vez contra o desperdício, nela vão até uma feira livre no horário da xepa e cozinham com cascas, talos e folhas de legumes e com verduras descartadas. A xepa para quem não sabe é aquilo que é dado ou vendido por quase nada ao final da feira. E tem muita fruta levemente machucada que, quando comprada perfeita vai estragando em casa todo mundo come e ninguém reclama.

Essa é uma iniciativa bem antiga. A aprimeira vez que ouvi falar sobre o assunto foi na sede de uma grande distribuidora de gás, faz bem uns quinze anos. Tinham um caminhão container aparelhado para dar aulas de culinária e de beleza, promovendo o uso racional de seu produto. Estacionavam o caminhão em regiões carentes e as pessoas se inscreviam e participavam dos cursos. Duas receitas ficaram muito famosas entre muitas que ensinavam como utilizar os talos e folhas de verduras e legumes e as cascas e bagaços de frutas. Uma delas é a do bolo de laranja que é batida inteira com casca e bagaço no liquidificador com os demais ingredientes e o pão ou bolo de casca de banana. Hoje o gás ficou tão caro que tem gente usando lenha novamente nas regiões mais pobres da cidade. Estamos com muitos problemas para serem resolvidos ao mesmo tempo.

Leia a matéria sobre o Banquetaço no site Conexão Planeta, o protesto dos chefs contra o pó de comida vencida aqui.

O Carlos Alberto Dória com seu blog e-boca-livre está acompanhando bem essa questão, recomendo para quem se interessa pelo tema da sustentabilidade que acompanhe as suas opiniões. Não é uma causa fácil.
Alimentação popular: o tempo da virada

Alguns países tem iniciativas individuais em algumas cidades junto com as prefeituras e com várias ONGs, elas tem sempre sua áreas de ação muito específica, e por isso raramente uma só da conta de ajudar, com o objetivo de contornar o excesso e desperdício de comida para uns e a falta ou o preço alto de certos alimentos para outros, principalmente proteínas – leite e seus derivados como queijos e iogurtes, carnes, aves e peixes, são os mais caros da lista.
A discussão não tem repostas, nem no Brasil nem na Holanda, nem em outros países. Mas em países como o nosso, onde gestoras de escolas tem falta de dinheiro para alimentar os seus alunos entende-se que estamos diante de um problema maior do estado brasileiro que é não opção pela educação da população contraposta à pela vontade real de se comprar alimentos saudáveis sem atravessadores. Acho que ainda teremos muitas oportunidades de apostar na redução do desperdício se ele representar encaminhar alimentos bons e saudáveis para quem precisa comer, sem termos que pensar que o governo ou a prefeitura fazem um favor – que é como tem se comportado.

Já tem um tempo que a chamada merenda seca, o termo me parece de uma sem-vergonhice sem fim por esconder que são algumas bolachas tipo creme cracker e um suco de caixinha por aluno me incomoda. Pesquisei o que outras escolas públicas oferecem como alimentação para seus alunos, aí fiquei muito indignada. E triste.
Para ver o cardápio de uma escola em uma cidade na França clique.
Para ver o cardápio escolar de uma criança nos Estados Unidos clique.

Sugestão de tags para seguir #ASFH #UvA_Amsterdam e

Oxford Symposium on Food and Cookery #OSFC

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