Uma das minhas primeiras lembranças culinárias é da cozinha da D. Sissi, em Teresópolis, com a Neuza sentada ao lado do fogão de lenha com um copo na mão. O copo estava cheio de gemas que eram batidas com movimentos do braço como se estivessem em um pilão. A Neuza dizia que era preciso socar as gemas por meia hora antes de misturá-las ao açúcar para fazer os papos de anjo.
Os papos de anjo são na culinária brasileira o modelo de excelência, tem tudo para dar errado, principalmente porque o número de recomendações que acompanham a receita deve vir ainda do século XVII, quando, no Brasil das Capitanias Hereditárias, conseguir uma dúzia de ovos era um feito. Poucas galinhas ciscando no quintal, fazendo ninho e botando ovo pelos cantos, com uma produção irregular obrigavam uma coleta diária, e uma espera de pelo menos quatro a cinco dias para se conseguir a dúzia de ovos necessária para fazer doze bolinhos.
A ideia da receita é simples e muito sofisticada. Primeiro faz-se bolinhos quase sem farinha que, depois de assados são embebidos em uma calda de açúcar. E, aí vem o momento mais complexo e emocionante – depois de todos os bolinhos estarem bem molhados e arrumados em uma compoteira, a calda deverá cozinhar mais um pouco até ficar com a densidade perfeita para deixá-los flutuando na compoteira. Também não pode endurecer. É nesse momento da leitura receita que todos os aspirantes a doceiros decidem fazer outra sobremesa.
A receita deve ser muito bem tratada por ser das mais antigas da nossa tradição, mas hoje fazer um papo de anjo é fácil. A dúzia de ovos vem embalada, os trintas minutos necessários para as gemas ficarem no ponto foram substituídas por quinze minutos na batedeira e o açúcar vem seco e embalado.
E o melhor, para quem não quiser fazer os docinhos individuais, é possível colocar a massa em uma forma grande ou distribuí-las em diversos ramequins como pequenos suflês para em seguida banhá-las na calda de açúcar perfumada e água de flor de laranjeira. Depois, é só virar em um prato bonito e servir. Papo de anjo, com o mesmo gosto, mas o método é também para que não é prendado.
Veja a receita do papo de anjo aqui.
Ouça a história do Bolo Silvia, muito famoso no final do século XIX.