Em 1963 a artista plástica paulista Tereza D’Amico ilustrou um pequeno livro que reunia receitas recolhidas em algumas cidades do Estado de São Paulo. Algumas delas fazem parte de cadernos antigos, e foram cedidas pelas famílias herdeiras. Outras vieram de livros bem conhecidos naquela época. E ainda mais outras tantas foram coletadas em relatos “de viva voz”. Os desenhos a nanquim espalhados pelas páginas do livro são apenas quatro, porém reproduzem com delicadeza e muita alegria alguns ambientes com os quais facilmente nos identificamos – uma cozinha com um fogão a lenha, uma mesa cheia de doces de festa, e mais uma com um enorme arranjo de frutas. E por fim, aliás o meu preferido: um peixe assado contornado por fatias de limão – que ilustra essa página.
As receitas para o livro Cozinha tradicional paulista foram reunidas pela folclorista e autora Jamile Japur, a fim de demonstrar a riqueza da culinária paulista, e publicado por ocasião de um congresso. Ali vê-se com clareza a originalidade e a elegância de uma cozinha que se espalhou pelo interior do Brasil a partir o século XVII. Muitas das receitas que hoje conhecemos como mineiras ou goianas percebemos ao lermos o livro que derivam das paulistas antigas, e mais ainda, quando as analisamos constatamos como elas fazem parte de um vocabulário culinário delicado e rico. Assim, muitas dessas receitas são as expressões que mostram como viviam os paulistas seja pelas informações referentes a ingredientes seja pelos métodos ou formas de se fazer os pratos.
Um exemplo do que se comia
O capítulo das sopas tem duas receitas deliciosas – a primeira é para uma canja que recomenda ao cozinheiro iniciar os seus trabalhos com “mate uma galinha gorda”. A partir daí podemos imaginar que os galinheiros eram relativamente comuns nos quintais. E ainda mais, o número de galinhas devia ser considerável, pois enquanto umas engordavam para virar canja, as demais produziam os ovos para uso doméstico.
A segunda receita é para uma sopa de caruru, na qual também pode-se usar cambuquira, as folhas novas e os brotos da abóbora. Para começar “ponha azeite em uma panela e refogue cebola, alho e tomate. Quando estiver fervendo engrosse com fubá mimoso deixando o caldo mais ou menos ralo. Acrescente um punhado de caruru bem lavado, e deixe cozinhar até ficar bem mole. Pode substituir o caruru por cambuquira.”
Cozinha tradicional paulista, editora Folc-Promoções, 1963, 104 páginas.
Ilustração: Tereza D’Amico, 1963.